“Não sou mais ingênuo de acreditar que uma ordem única rege tudo, ou que nossa cabeça pode entender os desígnios do mundo. Não pode. Só nos resta aceitar e seguir vivendo porque estamos nessa aventura às cegas.”
Escolhi esse trecho do livro – sério candidato a meu livro favorito do ano – que reflete bem meu pensamento sobre as forças que regem esse mundo. Vivo, desde o início da minha vida adulta, em estado de total descrença e, ao mesmo tempo, aberto a acreditar em qualquer coisa. Talvez até desejando acreditar em qualquer coisa.
Infelizmente para essa resenha vou evitar dar um contexto, porque sei o quanto poderia ter interferido na minha experiência de leitura, saber certos detalhes. Aqui, por mais insignificante que pareça, um detalhe pode sim mudar a forma como você vai se conectar com essa obra e eu me conectei de diversas formas: seja pela pluralidade religiosa e cultural, seja pelo conhecimento das tradições indígenas. Gosto de passear pelo universo de coincidências que Socorro criou, e pela profundidade de seus personagens. Mesmo um personagem pego emprestado de Eduardo Agualusa, como descobri à pouco ser o caso de Félix Ventura, vendedor de passados. Difícil imaginar uma profissão mais interessante que a desse personagem. Ou da família portuguesa que acolhe nossa protagonista, que cuida dos Ressurectos há sei lá quantos anos.
Mas é aquela dose de mistério que nos prende do início ao fim. Digo dose porque é realmente bem dosado. O suficiente para você querer avançar noite a dentro, página a página, mas não demais para ficar chato ou frustrante. E quando as coisas começam a se encaixar, e o quebra-cabeças vai tomando forma, você sente que se desligou do mundo por umas horas. Resta voltar à realidade, para nossas vidas de realismo nada fantástico. Ou quem sabe… “Sou Pássaro do Senhor e abro as asas do milagre…”
Livro: Oração para Desaparecer
Autora: Socorro Acioli
Ano: 2023