“Um dia tu vai entender que não existe esse amor que tu quer, não, amor é contrato, só dá certo quando os dois ganham. Se um ganha e outro perde, se um dá mais e outro dá menos, a balança fica bamba, o amor cai no chão.”
É interessante como as obras de um mesmo autor podem nos provocar sensações e estados diferentes.
No primeiro livro eu terminei eufórica, efusiva, querendo compartilhar para o mundo minha “descoberta”. Querendo debater com outras pessoas, vim correndo compartilhar, ansiosa por escrever. Enquanto esse me deixou introspectiva, reli, “foi isso mesmo que aconteceu? Entendi certo?”, me pediu que eu demorasse mais nele.
No início me encantou pelas palavras que cearense conhece tão bem: “de cor e salteado”, “bodega”, “zoadento”, “xilito”, “loira-fogoió”, é massageador no ego reconhecer sua cultura em um livro.
Em seguida fui tomada por compaixão pela jovem Dora, que foi abandonada pela mãe e apesar de ter um pai que não deixa faltar nada, também não oferece nada de atenção ou afeto. Dora não faz disso sua bandeira, ou assume papel de vítima, mas ninguém passa ileso por tamanha ausência sem justificativa e explicação.
Dora vai crescendo e se descobrindo ao lado de Esmê, uma prima e amiga, e faz dela sua referência e seu porto seguro. Na adolescência e vida adulta as duas se envolvem com Jaime e vivem um triângulo amoroso, até bem confortável e harmonioso.
Talvez para algumas pessoas eu tenha um olhar conservador para essa relação, mas percebendo o lugar dela nesse trio e de um grande acontecimento, impossível não se questionar: se o pai tivesse dado pelo menos um grão de arroz diante dessa fome voraz por afeto, ela não teria feito diferente? Ela não teria buscado outras fontes de aceitação e afeto?
No filme as vantagens de ser invisível há uma parte que diz “aceitamos o amor que achamos merecer” e como aceitar e buscar mais se Dora teve tão pouco ou quase nada?
Livro: O Amor e Sua Fome
Autora: Lorena Portela
Ano: 2024