“É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina o nosso modo de estar no mundo.”
A expressão popular “soco no estômago” nunca fez tanto sentido para mim. E foram vários socos, de diferentes intensidades. Um mais doído que o outro. “Eita que a ancestralidade bate forte”, Terania falou me vendo chorar enquanto lia as últimas páginas. Sim, chorei. Chorei muito! E não foi a primeira vez que esse tema me arrancou lágrimas. Chorei assistindo 12 Anos de Escravidão, Histórias Cruzadas, Hotel Ruanda.
O livro traz histórias permeadas por questões raciais, contadas por Pedro, que perde o pai (Henrique) precocemente em uma desastrosa abordagem policial.
Em diversas situações relatadas por Pedro, ora resgatadas de sua lembrança, ora criadas ou preenchidas por sua mente, o racismo transcende o limite da obviedade. Todos nós já presenciamos situações como essas, e em algum momento normalizamos, para evitar um conflito (assim como vemos Henrique muitas vezes fazer) ou por pura ignorância. Mas essa ignorância não cabe mais no momento que vivemos.
Em um determinado momento, Pedro enumera as vezes que o pai foi abordado pela polícia, evidenciando nosso racismo enraizado. E eu digo “nosso”, por que me peguei diversas vezes, durante a leitura, identificando falas soltas ou pequenos gestos comuns ao nosso cotidiano, que nunca julgamos ser de cunho racista.
Assumo novamente um compromisso de me “policiar” e, como falei antes, não permitir que minha ignorância do assunto perpetue preconceitos. Vocês alguma vez já fizeram um exercício parecido? Fica o convite tanto à leitura, porque o livro é excelente, quanto ao exercício. Por mais obras assim…
Livro: O Avesso da Pele
Autor: Jeferson Tenório
Ano: 2020